segunda-feira, 17 de março de 2008

4. Roberto e sua mãe

Roberto amava a mãe, que morrera cerca de três anos atrás. Aprendera o consumo de café com ela, embora tenha ultrapassado a mestra na quantidade do consumo. Adorava acordar pela manhã, esquentar a água e sentir o cheiro do líquido preto por toda a casa. Não importava o tempo lá fora, quente ou frio, Roberto bebia uma, duas, às vezes cinco xícaras de seu forte café pela manhã, e não sabia que era o café que o impedia de dormir. Descobriu ser o café a causa de sua falta de sono um dia em que, na falta do pó, pegou ervas para fazer chá e, ao invés de acordar às oito , seu horário habitual, acordara às onze da manhã, tentando entender por que dormira tanto. Acabou por tomar chá apenas quando estava doente. Aprendera a tomar chá também com a mãe.
Sentia por ela uma profunda paixão. Roberto era filho único, o pai deixou-o no início da adolescência e sua mãe criou-o sozinha, não podendo fornecer-lhe um curso ou um estudo melhor. Roberto, no entanto, gostava de estudar e ler, o que o fez escapar de várias influências em sua adolescência e conhecer várias coisas apenas mais tarde, já com seus vinte e três anos.
Roberto sempre soubera a importância que sua mãe tinha em sua vida. Duvidou apenas uma vez quando ela deu-lhe um tapa no rosto. Estava nervosa pois tinha sido abandonada pelo marido a pouco tempo.
Ela era asmática e vivia à base de remédios. À partir dos cinqüenta e três anos toda a situação se agravou e não podia mais trabalhar. Roberto tinha dezesseis anos e viu-se obrigado a trabalhar. Embora o trabalho numa loja de conveniências lhe ocupasse um tempo considerável, não deixara de estudar com afinco. Começou a desenhar compulsivamente e conheceu uma professora de desenho, para quem sempre mostrava seus rascunhos, disposto a ouvir todas as críticas como um atento aprendiz.
Quando sua mãe morrera, Roberto tinha dezenove anos. Viu todos os parentes chorando a morte de sua mãe. Apenas ele naquele velório não chorava e não saíra de seus lábios um comentário. A morte de sua mãe não era esperada e Roberto não estava preparado para tal acontecimento. O velamento do corpo se deu num final de tarde quente. O cemitério ficava em cima de uma série de morros. Roberto sentara num banco observando a cidade enquanto o pôr-do-sol , na sua frente, lhe esquentava a face e coloria a cidade de cores que a tempos ele não via. Esquecera ele que o corpo de sua mãe estava logo ali, gelado. Perdeu-se na busca de cores na cidade e descobrira mais tarde que a busca daquelas cores seria semelhante a certos ritmos dos quais acabou por gostar muito, mas que acabaram por lhe trazer uma profunda nostalgia.
Voltou a si somente quando uma tia, que ele gostava muito, sentou-se ao seu lado e deu-lhe um forte abraço. “Quer falar algo meu querido?”. “Não, não estou entendendo o que está acontecendo, por que todos estão chorando”. “Quando as pessoas se vão, choramos de saudade!”.
Não era a primeira vez que Roberto se deparara com a morte. “É uma saudade que sabemos que iremos sentir por muito mais tempo e que não podemos saciar”.
Roberto ouvia sua tia com atenção, mas não lhe respondia e não esboçava reação alguma. Ainda não entendia a morte, e gostaria de entende-la ainda. Não entendeu a morte quando do falecimento de sua mãe, mas compreendeu o momento único que é o pôr-do-sol visto daquele cemitério, com a cidade recebendo aquela luz alaranjada e o corpo abraçado pelo calor do sol.

Nenhum comentário: